quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Transtornos psicológicos em crianças

Para muitos pais, a simples menção à palavra psiquiatra causa arrepios. Mas, apesar de todo o preconceito que envolve os transtornos mentais, diagnosticá-los ainda na idade pré-escolar e tratá-los com a orientação de um bom profissional é fundamental para evitar problemas mais sérios no futuro

por Camila Carvas

Agrande maioria dos pais conhece os sintomas de uma virose, sabe identificar doenças típicas da infância, como catapora e sarampo, e não pensa duas vezes antes de tapar as tomadas da casa. Mas e quando a criança anda tristonha, não se relaciona bem com os colegas, não sabe esperar a sua vez ou chora desesperadamente se precisa dormir sozinha? Em um primeiro momento, esse tipo de comportamento até parece algo natural da idade. Quando se torna recorrente, no entanto, é preciso ficar alerta: por trás do destempero ou da choradeira sem fim podem estar os primeiros sinais de um transtorno psicológico na infância.

Esse é o assunto do recém-lançado livro A Mente do Seu Filho (Editora Agir), assinado pelos psiquiatras Fábio Barbirato e Gabriela Dias. “Nosso objetivo é ajudar pais, professores e até mesmo pediatras a diferenciarem o que é normal e o que não é”, diz Barbirato, que é do Ambulatório Infanto-Juvenil de Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, o primeiro do gênero no país. “Afinal, fala-se muito em saúde física, mas quase nada sobre a mental”, nota ele. Uma pena, sobretudo no caso dos pequenos: quando se identifica uma patologia psicológica logo nos primeiros anos de vida, fica mais fácil prevenir problemas futuros. “Pesquisas provam que boa parcela dos adultos ansiosos ou depressivos tem histórico infantil do transtorno”, revela o especialista.

Só para ter uma ideia, estudos já constataram quadros depressivos em 8% da garotada entre 3 e 5 anos. E estimativas da Organização Mundial da Saúde apontam que, em 2020, a depressão, muitas vezes originada na tenra infância, será a segunda causa de incapacitação médica no planeta. Nos adultos, ela compromete o desempenho profissional e social, deflagra prejuízos na comunicação, leva ao abuso de drogas e até a suicídios. Portanto, fica fácil perceber os benefícios do diagnóstico precoce.

Entre os transtornos mais comuns na infância estão os de ansiedade, de humor, de déficit de atenção e hiperatividade e os globais do desenvolvimento, como o autismo. “Aliás, no ambulatório, vemos uma porcentagem grande de casos de autismo”, conta Barbirato. Hiperativos aparecem em segundo lugar e os demais distúrbios vêm logo em seguida. A dificuldade para identifi cá-los reside no fato de que os sintomas, muitas vezes, são superficiais e camuflados. “A criança sente dor, vomita, tem febre e lesões dermatológicas”, relata o psiquiatra. Somente depois de uma avaliação detalhada é que finalmente se conclui que as emoções são as responsáveis pela situação. Por isso é importante que você aprenda a reconhecer os sinais de que algo não vai bem na cabecinha do seu filho.

Transtornos do humor
As crianças bipolares, que alternam períodos de depressão e episódios de mania, costumam apresentar um comportamento sexual mais exagerado. “Elas se masturbam mais, vivem falando sobre sexo e são o que chamamos de hiperromânticas, ou seja, estão sempre apaixonadas”, descreve Barbirato. Na infância, esse transtorno vem geralmente acompanhado de estados de irritabilidade, explosão e arrogância. Pais e professores devem ficar atentos se os pequenos não param quietos, falam além da conta e acreditam que podem fazer coisas irreais.

No caso da depressão, é importante deixar claro que ela não é sinônimo de tristeza. E está longe de ser algo momentâneo, que passa com o tempo. Às vezes, quando uma pessoa querida ou um animal de estimação morre, ficar triste é até saudável, porque mostra que a afetividade está sendo exercida. Um quadro mais persistente, porém, que geralmente ultrapassa os seis meses e altera, inclusive, a maneira de o pequeno comer e dormir, acende a luz amarela. Aí os pais notam que acaba o interesse e o prazer em atividades antes agradáveis e começam as queixas de dores físicas, de barriga ou de cabeça, sem falar no autoisolamento.


Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade
Mais conhecido como TDAH, é baseado na tríade desatenção, inquietação e impulsividade. Como se espera que toda criança seja, por assim dizer, um pouco peralta, o que distingue o problema de uma reles travessura são os prejuízos que ele provoca. “Quando a criança é mais desatenta do que o restante da turma, e essa situação é persistente, o melhor é procurar um médico”, explica o psiquiatra Enio Andrade, do Ambulatório de TDAH do Hospital das Clínicas de São Paulo. E ser impulsivo, nesse caso, signifi ca não saber esperar a vez, falar sem pensar, atravessar a rua sem olhar para os lados ou não conseguir guardar um segredo, entre outros sintomas.

Transtornos de ansiedade Pânico, fobias e compulsão obsessiva são apenas algumas das subdivisões da ansiedade. Mas todas estão relacionadas ao medo de problemas futuros. Na infância, o transtorno da ansiedade mais comum é o da separação. “A criança sofre muito cada vez que os pais dão a entender que vão sair”, conta Bernard Rangé, professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O pequeno fica apreensivo com o que pode acontecer com o pai e a mãe e, consequentemente, com ele. No caso de TOC, sigla para transtorno obsessivo-compulsivo, o garoto repete uma ação várias vezes e tem ideia fixa por simetria. Em ambos os casos, a terapia cognitiva comportamental ajuda a entender o que causa a perturbação.

Transtornos globais do desenvolvimento
O autismo é uma da formas, e provavelmente a mais conhecida, dos chamados TGD. “Ele é caracterizado por falta de interação social, a criança tende a se isolar. Há atraso e disfunção das habilidades de comunicação e um repertório limitado de atividades e interesses”, explica Ana Margareth Bassols, chefe do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. O pequeno em geral gosta de fazer sempre os mesmos programas e assume um comportamento que às vezes parece com o de crianças mais novas.

Os motivos ainda não são conhecidos, mas sabe-se que o autismo afeta de três a cinco vezes mais meninos do que meninas. A observação atenta do desenvolvimento da criança por parte da família, escola e pediatra ajuda bastante na identificação precoce do problema. “Um de seus primeiros sinais é a aversão ao colo”, conta a médica. O bebê autista costuma ser agitado. Brincadeiras muito repetitivas, aversão ao olhar — eles tendem a não olhar o outro enquanto falam — e à aproximação de outras pessoas, que eles parecem nem sequer ouvir, também sinalizam um possível autismo. Não à toa, durante o tratamento procura-se estimular na criança seu lado mais comunicativo e sociável.

O importante é que os pais se lembrem de que, quando se cogita um transtorno mental, fala-se de algo mais grave e já instalado. Em bom português, trata-se de uma situação que requer o acompanhamento de profissionais qualificados para que o diagnóstico e a indicação de um método terapêutico sejam adequados. “Investir em tratamentos sem comprovação cientifica pode retardar a melhora da criança”, pondera Ivete Datar. E isso significa perda de tempo. Um tempo bem precioso, diga-se de passagem.

http://saude.abril.com.br/edicoes/0319/familia/conteudo_525392.shtml?pag=2 

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