quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Progresso em autismo


ter, 08/01/13
por Alysson Muotri |
categoria Espiral
O pequeno Ivan Coimbra, que é autista/Arquivo pessoal
É comum familiares de pessoas afetadas com algum tipo de síndrome acharem que a ciência anda muito devagar. Uma vez um pai perguntou: “se conseguimos colocar um homem na Lua, por que não conseguimos curar de vez o autismo?”. Essa percepção reflete a demora que temos em transferir o conhecimento gerado dentro dos laboratórios para a clínica. Isso é ainda mais vagaroso em doenças que envolvem crianças, pois o teste clínico muitas vezes requer uma série de regulações éticas que servem para proteger os pacientes de um eventual efeito colateral.
No entanto, vejo o momento oportuno e sou otimista quanto a futuras terapias. O progresso científico nos últimos tempos tem sido fantástico, mesmo com crises econômicas afetando as maiores potências científicas mundiais. Tomemos o exemplo do ano passado e das pesquisas com síndromes do espectro autista.
Pelo “PubMed” (portal de busca de trabalhos biomédicos), foram publicados mais de mil artigos sobre a genética e estrutura cerebral de pacientes autistas, número três vezes superior ao mesmo período de tempo de uma década atrás. Tem muita informação nova chegando, com técnicas cada vez mais sofisticadas.
Aprendemos, por exemplo, que é possível observar diferenças no padrão de EEG (eletroencefalografia) em crianças autistas antes do primeiro ano de idade. Detecção precoce significa possibilidade de intervenção precoce. De fato, estudos de 2012 confirmaram que autistas em terapia intensiva tiveram mais que o dobro de melhora comportamental do que aqueles que receberam apenas tratamentos tradicionais, com alguns casos de pacientes até saindo do espectro autista.
Continuamos não sabendo o que causa o autismo. A alta concordância em estudos envolvendo gêmeos idênticos e a associação com outras síndromes genéticas, como a síndrome de Rett, tem confirmado as bases genéticas do autismo e levado a buscas por alterações genômicas em famílias com pacientes autistas. Com o custo do sequenciamento diminuindo, o número de trabalhos nessa área tem crescido exponencialmente.
O que descobrimos é infinitamente mais complexo do que imaginávamos alguns anos atrás, com centenas de genes implicados. Muitos dos genes descobertos estão também presentes em outras condições, como em esquizofrenia e epilepsia. Variações genéticas estão presentes em pelo menos 25% das crianças, mas nenhuma dessas variações contribui com mais de 1-2% de casos e muitas são alterações particulares, ou seja, aparecem em apenas uma criança.
Uma das descobertas mais curiosas é a alta frequência de mutações espontâneas. Essas alterações genéticas não estão presentes no genoma dos pais e, portanto, não seriam hereditárias, mas surgem espontaneamente antes ou no momento da concepção. Algumas alterações genéticas podem acumular no genoma do esperma do pai e aumentar de frequência com o passar dos anos devido a replicação de células progenitoras de espermatozoides.
Pais com mais de 40 anos tem um maior número de mutações e correm um risco significativamente mais elevado de gerar uma criança com autismo quando comparados com pais com menos de 30 anos.
E as causas ambientais? Diversos fatores, como exposição a poluição, pesticidas e antidepressivos têm sido propostos como fatores de risco. A maioria dos estudos baseia-se na exposição da mãe durante a gestação. Muitos desses trabalhos são ainda preliminares devido ao pequeno número amostral. De qualquer forma, grande parte dos cientistas assume que os fatores ambientais interferem com a suscetibilidade genética, mas sabemos muito pouco como isso acontece.
Casos de mutações específicas de famílias de autistas, alterando vias metabólicas conhecidas, como degradação de aminoácidos, sugerem que dietas alimentares podem ser benéficas no tratamento de algumas formas de autismo. Esses estudos nos lembram que doenças genéticas muitas vezes podem ser corrigidas pelo ambiente, ou seja, podem ser reversíveis. Algo impensável há poucos anos. De fato, muitos pesquisadores já concordam com o conceito da reversibilidade e isso tem atraído mais e mais interesse de outros grupos de pesquisa e da indústria farmacêutica (ainda tímida, mas interessada).
De acordo com dados epidemiológicos, o autismo afeta hoje em dia 1 em cada 88 crianças, um aumento de 78% desde 2002. O motivo desse aumento ainda é um mistério, mas, com certeza. melhorias no diagnóstico contribuem para esse acréscimo. Independente das causas, cerca de 1% das crianças afetadas é algo que merece urgência. Se o número de crianças autistas está crescendo realmente, quais seriam os fatores ambientais responsáveis por isso?
A ausência de um agente tóxico óbvio ou mesmo um micro-organismo torna a busca pelas causas do autismo muito difícil. Precisamos olhar com mais atenção, especialmente as pistas que estão surgindo ultimamente. Muitos especialistas acreditam que a exposição pré-natal seria um período critico. Observações recentes de que o cérebro sofre diversas modificações durante o primeiro ano de vida, muito antes dos efeitos comportamentais, suportam essas ideias e são consistentes com esse período de risco. Porém, dados em camundongos sugerem que o período crítico não seria tão essencial como se tem pensado, contrastando com essa teoria. Mas camundongos não são humanos e o argumento continua válido.
Existem milhares de questões a serem respondidas sobre o autismo e tenho percebido um crescente interesse da comunidade científica. O debate sobre o autismo é frequentemente contencioso: uns veem o autismo como uma doença, alguns como uma lesão e outros como identidade. Esse debate é importante pois coloca o autismo na mídia, diminuindo o preconceito e pressionando a classe política por mais recursos para pesquisa. O importante é que muitos pesquisadores agora enxergam o autismo como uma forma de “insight”, ensinando cientistas de diversas áreas sobre genética, evolução, neurociência e comportamento. Seja qual for sua posição, estamos vivendo um período de intenso progresso cientifico que irá, certamente, beneficiar a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares.

No caminho das células-tronco


No começo, achei inusitado e suspeito o pedido da diretora Daniela Broitman de me incluir no documentário “Marcelo Yuka no caminho das setas”, sobre a trajetória do músico Marcelo Yuka, ex-baterista do Rappa, em sua busca por um tratamento com células-tronco. As setas todas apontavam para as células-tronco. Pensei que poderia entrar numa roubada, com uma certa exposição indesejada. Convenhamos, a posição de cientista é extremamente desconfortável, sinto-me na corda bamba o tempo inteiro.
Se por um lado, trabalho justamente com células-tronco porque acredito em seu potencial regenerativo e as vejo como a grande promessa da medicina, por outro, tudo isso ainda é muito novo. Ao falar empolgado desse potencial, corro o risco de instigar a mídia e a sociedade a acreditar que a cura está logo ali. Se reduzo meu entusiasmo, o risco é de tirar a esperança de milhares de pessoas que se beneficiariam com uma terapia de células-tronco, afastando investimentos e atrasando o progresso da ciência. O balanço é justamente o que me mantém na onda. (Abaixo, Marcelo Yuka e eu)

Yuka, assim como eu, sabe dar valor às ondas, prazer que lhe foi tragicamente confiscado. A lesão na medula o tirou do mar, da batera do Rappa, do banheiro e o fez questionar sobre sua dignidade como ser humano. Lembro que falamos por horas sobre a dignidade do cadeirante, daquilo que nos define como ser humano perante uma sociedade que ainda precisa a aprender a ter respeito pelos deficientes. Nesse aspecto, o Brasil não engatinha, se arrasta, isola seus filhos diferentes.
Por outro lado, a ciência fora do Brasil corre a passos largos. Este ano, tratamentos com células-tronco embrionárias humanas melhoraram a visão de pacientes com um tipo de cegueira degenerativa, sem efeitos colaterais. Parece milagre, mas não, é ciência mesmo. A tecnologia foi aplicada em humanos em tempo recorde. Essas células foram descritas pela primeira vez em 1998. Em geral, leva-se o dobro ou mais de tempo para um tratamento desse tipo ser comprovado clinicamente.
Este ano, também houve avanços importantes nas pesquisas de lesões na medula. De forma irônica, o cientista que liderou o estudo mais impressionante até o momento é um cadeirante, Dr. Paul Lu, meu colega na Universidade da Califórnia, em San Diego. O que aprendemos ao longo dos anos é que a região lesionada da medula cria um ambiente hostil, impedindo a regeneração neuronal. Outros tipos celulares se aproveitam dessa região altamente inflamada para se proliferar, mas não os neurônios.
Regenerar neurônios lesados é muito difícil, por isso se aposta no transplante de células-tronco. Essas células fariam o que o corpo não consegue fazer: produzir novos neurônios que reestabeleçam a comunicação entre o cérebro e os membros. Mas não sabíamos quais as condições ideais do transplante, muito menos quais células-tronco usar (células-tronco adultas, retiradas de fetos abortados ou mesmo do bulbo olfatório de pessoas adultas).
Todas elas são menos potentes que as células-tronco embrionárias e apenas contribuíram para uma melhora muito sutil. Paul Lu apostou nas células-tronco embrionárias, junto com um coquetel de fatores anti-inflamatórios, aplicados diretamente na região da lesão. Os resultados foram impressionantes e sacudiram os cientistas da área. Testes em humanos devem começar em breve.
Esse tipo de trabalho também ajuda a desmoralizar o mercado negro de tratamentos duvidosos com células-tronco. Alguns centros de pesquisa têm se aproveitado dessa situação para oferecer tratamentos a preços exorbitantes. Uns se baseiam em resultados preliminares com roedores, mostrando vídeos de ratinhos paralisados que voltam a caminhar. Leitor, a ciência já curou lesão medular em camundongos e ratos diversas vezes! Mas isso não deve ser visto como prova definitiva de que funciona em humanos.
A capacidade de autorregeneração de roedores é altíssima. Além disso, esses animais são pequenos, e melhoras sutis produzidas por um transplante celular podem levar a resultados dramáticos. Infelizmente, quando esses tratamentos são repetidos em animais de grande porte, como primatas e suínos, mostram o quão ineficazes esses protocolos realmente são.
As agências de fomento governamentais dos EUA já perceberam isso e têm reduzido o financiamento para testes em roedores, além de dar mais suporte a experimentos em animais cujos tamanho e fisiologia da medula espinhal sejam mais próximos aos do ser humano. Pode ser mais caro fazer isso a principio, mas evitam-se maiores gastos e, principalmente, tempo com projetos sem aplicação terapêutica.
Minha admiração pelo Yuka e pela Daniela cresceu junto com esse projeto. Meus medos iniciais se desmistificaram, e acho que a mensagem de paz que esses dois trazem é muito positiva para o Brasil. Faz tempo que não falo com o Yuka, mas sei que sua posição amadureceu. As setas continuam apontando para as células-tronco. Ele sabe que o caminho é longo, vagaroso, mas que cada passo conquistado traz mais esperança. Por essa causa, vale lutar.

Guerra intestinal


qua, 05/12/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral
Toda semana, durante um dourado período da minha infância, um simpático nipo-brasileiro, vulgarmente chamado pelas crianças da rua de “japa do Yakult”, parava com sua perua invocada em frente de casa para oferecer o famoso complemento alimentar. Foi meu primeiro professor de microbiologia. Ouvindo o japa, aprendi que a bebida continha os tais lactobacilos vivos, que auxiliam na dinâmica e equilíbrio gastrointestinal.
Saber que nosso intestino era uma república composta por trilhões de microrganismos que contribuem diariamente para nossa fisiologia e bem estar foi uma grande surpresa. E como toda grande república, a perda do equilíbrio pode ter consequências graves. O intestino dos mamíferos é um ambiente altamente complexo e competitivo, onde os residentes estão em constante busca por alimento. Por isso, a colonização por patógenos invasores requer movimentos precisos e coordenados, como a luta por nutrientes, competição com bactérias residentes e ativação de genes virulentos. O grupo da brasileira Vanessa Sperandio, da Universidade do Texas Southwestern em Dallas, EUA, estuda exatamente esse tipo de guerra e colonização intestinal. Recentemente, Vanessa publicou na famosa revista “Nature” um interessante mecanismo molecular de como uma variação da bactéria Escherichia coli consegue se alojar no intestino. Essa E.coli é a maior causadora de lesões intestinais e diarreias do mundo, daí a importância em entender como ela consegue nos infectar.
Bactérias invasoras como esse tipo de E.coli precisam ativar um sistema interno de genes que coordenam uma seringa molecular. Essa seringa injeta fatores específicos na célula hospedeira, induzindo a formação de uma estrutura em forma de pedestal. Esse pedestal – ou cálice – que a célula forma após o contato com a bactéria invasora, permite o acoplamento ao epitélio do intestino do organismo e futura colonização. Bactérias presentes no lúmen intestinal usam açúcar do muco como alimentação e o excesso de açúcares processados dispersos no meio são capturados pelas bactérias invasoras como fonte de energia. Felizmente, esse açúcar extra é utilizado por bactérias invasoras como alimento e inibe o sistema genético de ativação da seringa molecular, impedindo a formação do pedestal. Passado o lúmen, as bactérias invasoras não encontram mais açúcares disponíveis, morrem de fome e são eliminadas do organismo. É um mecanismo de defesa sofisticado.
Pois bem, o grupo da Vanessa descobriu que esse tipo de E.coli adaptou esse comportamento de defesa do hospedeiro a seu favor. Basicamente, essa E.coli conseguiu fazer com que a seringa molecular possa ser ativada por hormônios produzidos pelo próprio organismo, como a adrenalina, abundantes justamente na saída do lúmen intestinal. Assim, quando as invasoras estariam prontas para morrer, conseguem iniciar o processo de colonização pelo acoplamento as células do intestino. Esse sistema que dribla o mecanismo de defesa intestinal é relativamente recente na evolução e, por isso mesmo, não é utilizado por outras bactérias. Sorte nossa. Sabendo-se agora como essa E.coli consegue nos infectar, fica mais fácil para desenhar mecanismos de prevenção, contribuindo para saúde humana.
Vanessa formou-se pela Unicamp é um desses casos de brasileiros que estabelecem uma carreira excepcional no exterior. Semelhante aos patógenos que estuda, Vanessa tem que lutar por financiamento num ambiente altamente competitivo como o meio acadêmico dos EUA. Conseguiu se estabelecer e tem contribuído com trabalhos significativos, publicados em revistas de alto impacto. Não cheguei a conhecê-la pessoalmente, pois quando comecei a trabalhar no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, ela já estava de saída. De qualquer forma, é interessante notar como o Brasil tem produzido alunos que simplesmente decolam em carreiras internacionais. Eu tenho acompanhado o trabalho de alguns ao longo dos anos, inclusive escrevendo sobre eles no Espiral. Tenho certeza que outros virão.

Centro de Excelência para Estudos do Autismo no Brasil – Parte 2


seg, 19/11/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral
Meu texto anterior, sobre a definição de humanos e mutantes, foi um prelúdio para o que segue abaixo.
O Princípio V da Declaração dos Direitos das Crianças do Unicef diz que “a criança física ou mentalmente deficiente ou aquela que sofre de algum impedimento social deve receber o tratamento, a educação e os cuidados especiais que requeira o seu caso particular”. Nesse aspecto, o Brasil tem feito pouco para a maior riqueza de qualquer país – o potencial do cérebro de suas crianças.
Nenhum cérebro é igual ao outro. Somos frutos de uma interessante mistura de acaso, genética e ambiente. É impossível prever o valor de cada cérebro, afinal, quem diria que uma criança com atraso de linguagem se tornaria um dos maiores gênios da física? O espectro autista pode ser considerado como um dos grandes geradores de diversidade cognitiva da humanidade. O espectro é tão diverso que alguns se julgam especiais, pois carregam habilidades extraordinárias, muito superiores a média. Infelizmente, o romantismo hollywoodiano de Rain Man não é regra. A diversidade cognitiva no autismo não favorece a todos no atual panorama social humano.
Percebendo essa falta de oportunidade para indivíduos autistas, diversos países criaram centros de excelência para o estudo do autismo. Esses centros, na maioria dos casos financiados por cooperativas que incluem o governo, têm como objetivo principal a inclusão e a independência dos autistas. Não é uma postura assistencialista, mas sim cientifica. A razão de ser desses centros baseia-se no fato de que a ciência seria a única forma de atingir resultados rápidos e promissores para tratamento de sintomas do espectro autista. Não existe um centro desse tipo no Brasil. Em viagens ao país, percebo uma comunidade pró-autista forte, mas pulverizada e com pouca força politica. Esse quadro contrasta bastante com a realidade dos EUA, por exemplo.
Com o intuito de criar um relatório branco sobre um possível Centro de Excelência para Estudos do Autismo no Brasil, comecei a discutir a ideia com diversos pais, cientistas, profissionais de saúde e empresários que conheço. O esboço de um modelo que agrupa as diversas opiniões que ouvi está resumido na figura acima. Meu objetivo é expor a ideia ao maior número de pessoas interessadas possível, buscando sugestões para aprimorar esse rascunho inicial. A versão final seria levada ao governo e a investidores para avaliação. Acho que, se lutássemos todos por um centro assim, os esforços pró-autistas não estariam diluídos, mas ganhariam força politica e o modelo poderia ser replicado em diversos estados brasileiros.
A missão do centro de excelência brasileiro seria a de usar todo tipo de estratégia racional e ética para verificar e descobrir fatos, oriundos de disciplinas relevantes, para explicar as origens do autismo e explorar novas intervenções terapêuticas. Além disso, o centro deve buscar minimizar a complexidade e hierarquia das estruturas organizacionais, reduzindo a burocracia desnecessária e otimizando a circulação da informação. Durante esse processo, o Centro deverá aumentar a conscientização e a compreensão do autismo entre a comunidade acadêmica e a sociedade em geral.
Esse centro agruparia cinco estruturas básicas (em azul na figura): Educação, Captação de Recursos, Pesquisa, Recrutamento e Tratamento.
1-Educação. Responsável pela divulgação das atividades do centro de excelência, bem como disseminação do autismo em geral para a população. Isso seria feito, entre outras atividades, através de simpósios e palestras sobre temas relacionados ao autismo, propondo parcerias com grupos, ONGs e empresas com interesse em comum, além de colaboração com a mídia em geral. Em cooperação internacional, essa estrutura seria também responsável pelo treinamento de profissionais cujo foco seria o autismo: médicos, psicólogos, educadores físicos, dentistas, jornalistas etc. Funcionaria como uma fonte de informações sobre tudo que acontece no Centro e no mundo relacionado ao autismo.
2-Captação de recursos. Apesar de imaginar que o Estado deva contribuir para esse centro, não creio que deva depender inteiramente de recursos públicos para se perpetuar em longo prazo. No Brasil, os recursos para pesquisa costumam ser distribuídos em pequenos projetos, em geral para grupos já estabelecidos, ao invés de projetos transformadores. Ideias novas e pesquisadores jovens ainda são vistos com certo receio pelas agências de fomento. Por isso acho essencial a criação de uma estrutura que reúna profissionais para captação de recursos, seja por filantropia ou até por licenciamento do conhecimento gerado pelo centro de pesquisa no futuro. Acho que o papel das ONGs e associações de familiares seria particularmente forte nesse contexto, ao organizar eventos e “crowdfundings”, por exemplo.
3-Pesquisa. Responsável pela geração de novos conhecimentos e testes de hipóteses, de forma rigorosa, com os controles necessários e sempre buscando a publicação em meios e revistas científicas de impacto internacional. Essa estrutura agruparia diversos laboratórios multidisciplinares para estudos do autismo em diversos níveis: molecular, genético, celular, circuito, anatômico e comportamental. Não tenho certeza se os laboratórios deveriam ou não estar vinculados a universidades. Estou inclinado a pensar que não, por causa dos conhecidos modelos arcaicos e corporativistas que ainda as regem. De qualquer forma, profissionais qualificados que desejem aplicar sua linha de conhecimento para estudos do autismo seriam bem-vindos. Todos os laboratórios trabalhariam com os grupos de pacientes recrutados pelo centro. Seriam os mesmos indivíduos, autistas e controles, estudados pelas diferentes disciplinas. Esse modelo transdisciplinar é diferente de modelos antigos interdisciplinares, onde ocorre fertilização cruzada entre duas disciplinas apenas. O grande desafio aqui seria o de fazer com que o Brasil deixe de ser uma colônia cientifica e se pareie com outros países que fazem pesquisa de ponta nessa área. Através da pesquisa, novos medicamentos seriam propostos e levados a testes clínicos. Royalties gerados através do licenciamento de resultados aplicados desse grupo seriam alocados diretamente para a Captação de Recursos e reinjetados no Centro.
4-Recrutamento. A entrada de pacientes para o centro é vital para as atividades científicas. O recrutamento seria responsável pelo armazenamento confidencial das informações pessoais de todos pacientes e grupos controles. Essa é a estrutura que ligaria a Pesquisa ao Tratamento e faria o acompanhamento da trajetória clinica de forma longitudinal.
5-Tratamento. Responsável por aplicar e avaliar a eficiência de diferentes tratamentos comportamentais ou observacionais nos pacientes. Por essa estrutura, poderiam ser testadas diversas ideias ainda sem embasamento científico rigoroso. Espera-se que, com o tempo, os observadores qualificados dessa área identifiquem subgrupos de autistas que respondem ou não a determinados tratamentos. Essa valiosa informação seria repassada para a Pesquisa, que ligaria esses dados com observações genéticas e moleculares dos pacientes. Também imagino que essa estrutura poderia crescer e abranger outras áreas, como por exemplo, tratamento odontológico. Profissionais dessas áreas seriam recrutados e treinados pela estrutura da Educação.
Com essa organização, o centro de excelência brasileiro estaria preparado para gerar ensaios clínicos inteligentes, usando os próprios pacientes, de forma personalizada ou em subgrupos de autistas. Estaríamos também prontos para testar rapidamente novas drogas descobertas em outros centros ou da literatura científica. Fazendo isso ainda estaríamos treinando a próxima geração de profissionais para continuar na luta da compreensão e da cura do autismo. Imagine o impacto mundial se o Brasil encontrasse uma terapia eficaz para o autismo e cujo modelo pudesse ser explorado para outras doenças mentais no futuro.
Dado o histórico de centros no Brasil, muitas vezes comandados por cientistas ego-centristas, proponho que a liderança desse centro seja compartilhada entre as cinco estruturas, com poder de voto igual, que apontariam um diretor-executivo. Esse diretor seria o responsável pelo acompanhamento dos resultados de cada estrutura. O diretor seria avaliado por mérito a cada quatro anos por um comitê científico internacional, composto por representantes de outros centros de excelência mundo afora e da comunidade brasileira.
Sei que existem diversas dificuldades que não foram tratadas aqui, como onde estaria fisicamente localizado esse centro, ou como conseguir o financiamento inicial. Talvez o maior entrave esteja no próprio Brasil. Temo pela falta de ambição, inovação e autoestima do brasileiro. Temo também pela busca da gratificação meramente acadêmica ou financeira dos eventuais participantes desse projeto.
De qualquer forma, espero que o leitor compartilhe suas opiniões aqui. As relevantes serão incorporadas nesse relatório branco que ficará disponível a qualquer pessoa. A esperança de um mundo melhor para os autistas está na imaginação, inconformismo e coragem daqueles que ousam tornar sonhos em realidade.

Centro de Excelência para Estudos do Autismo no Brasil – Parte 1


qui, 01/11/12
por Tadeu Meniconi |
categoria Espiral
De acordo com a classificação alfandegária de produtos americanos, usa-se o termo “bonecos” ou “bonecas” para a representação única de um ser humano e nenhuma outra criatura. Um exemplo seria a boneca Barbie. Já o termo “brinquedo” serve para a representação de monstros, robôs, aberrações, ETs, animais, anjos e outros não-humanos.
O que é mais estranho é que o imposto cobrado sobre essas duas categorias são diferentes: 12% sobre os bonecos e 6.8% sobre os brinquedos. Ou seja, é mais caro importar uma Barbie do que um Transformer nos EUA. Descobrir o porquê disso é muito difícil, mas aparentemente a indústria doméstica de bonecos e bonecas americana precisou de uma proteção maior nesse mercado. Acredita-se que, em algum momento dessa história, existiu um lobby de fabricantes de bonecos americanos.
O mercado era estável até a chegada da Marvel Comics, indústria especializada em heróis com superpoderes: Homem Aranha, Capitão América, Hulk, Wolverine e por aí vai. Não tem quem não simpatize com algum deles. Cada um dos personagens é único, com histórias de vida diferentes, qualidades e defeitos.
Essa diversidade e o apego dos fãs faz com que a Marvel importe milhões de figuras de ação da China todo ano, todos classificados como “bonecos” e taxados com os respectivos 12% de impostos. Não demorou muito até que alguém percebesse a valiosa oportunidade aqui: bastaria convencer a alfândega americana que a Marvel importa brinquedos, e não bonecos, para economizar alguns milhões de dólares.

Leitor, desculpe a longa e inusitada introdução pra chegar ao motivo dessa coluna. Pra mim, o que importa agora não são os milhões de dólares dos negócios da Marvel. Motivações financeiras estão em toda parte, mas a questão essencial nessa história é o que significa ser “humano”. Os advogados da Marvel tinham que, basicamente, convencer as autoridades governamentais americanas que os heróis da Marvel não eram humanos. Acredite se quiser, isso se tornou um dos maiores episódios das cortes americanas nos últimos tempos, uma luta que levou dez anos!
Os advogados da Marvel criaram uma estratégia que a princípio funcionou bem: demonstrar, um a um, que seus heróis não eram humanos e sim seres com diversas características não-humanas. Tudo correu bem para os personagens extraterrestres, com cara de insetos e formatos físicos distintos dos humanos. No entanto, a história ficou interessante e complicada quando tentou-se aplicar esse raciocínio para os X-men, o crème de la crème da Marvel.
Para quem não acompanha quadrinhos, o X-men retrata justamente uma possível etapa futurística na evolução humana: crianças nascidas de famílias normais que vão adquirindo estranhos poderes. A saga X-men é sobre humanos que sofreram mutações. Isso tornou o caso da Marvel complicado do ponto de vista legal, seriam esses indivíduos ainda humanos ou teriam evoluído para algo além do que conhecemos como humanidade?
Tomemos o exemplo do “O Coisa”, aquele “homem de pedra”. Segundo sua história no universo Marvel, a exposição aos raios cósmicos fez seus músculos, tecidos e textura óssea aumentarem em resistência e densidade. Com isso, ele ganhou força, velocidade, resistência e longevidade muito além das limitações humanas.
Em contrapartida é mais pesado e perdeu sensibilidade ao tato. Também é suscetível a doenças humanas – usa óculos pra leitura – e estresse emocional. É tido como um cara sofisticado, intelectual e aparece citando frases de Shakespeare. O argumento da Marvel era que ele não tinha pele, portanto não seria uma representação humana, pois humanos têm pele.
Partimos para um outo exemplo, o mais popular dos X-men, o Wolverine. O argumento da Marvel estaria nos olhos e nas garras metálicas, que não seriam humanos. A resposta do governo foi que, segundo a história do personagem, as garras teriam sido implantadas depois, como uma forma de acentuar uma característica humana, da mesma forma que as próteses de silicone, por exemplo.
Chamo a atenção do leitor para o texto sobre as pernas artificiais de Aimee Mullins e como ela tem as explorado para obter habilidades extra-humanas. Wolverine seria uma versão fictícia do atleta paralímpico Oscar Pistorius, porém suas garras metálicas não teriam precedentes na sociedade humana atual.
Mas deixemos de lado as modificações artificiais. E as mutações genéticas? Cada célula humana tem cerca de 20 mil genes que sofrem mutações a todo instante. Todos nós temos uma série de mutações privadas. Isso significa que, de certa forma, somos todos mutantes e humanos ao mesmo tempo. Mas a Marvel usou o argumento de que adota a palavra “mutantes” como algo fisicamente desfigurado e não-humano.
Portanto, se a Marvel usou o termo “mutantes” para descrever os heróis de X-Men, eles não seriam mais humanos. A estratégia legal da Marvel foi em cima de cada herói, e nos dois exemplos acima ela ganhou a causa. No final, a decisão do júri foi favorável a Marvel: os mutantes não seriam humanos!
Interessante notar que no universo dos X-Men, o que os mutantes tentam fazer a todo momento é justamente se colocar socialmente, lutando para serem tratados como humanos. Porém, o governo conservador tenta classificá-los como monstros, não-humanos, policiando suas ações e restringindo o comportamento mutante.
Essa tensão existe mesmo entre os próprios personagens mutantes, alguns acreditam na humanidade tolerante e que podem contribuir de forma positiva para sociedade. Outros mutantes, liderados por Magneto, acham que os humanos jamais os abraçariam como irmãos e preferem serem classificados como especiais, mais evoluídos. Na realidade a história foi oposta: de um lado a Marvel tentando classificá-los como monstros e, do outro, o governo tentando deixá-los como humanos.
Paralelos dessa história acontecem o tempo todo na sociedade. São minorias sendo excluídas do “normal”. No segundo filme da saga do X-Men, um filho revela aos pais que seria um mutante. A reação da mãe é de inconformismo: “Você já tentou não ser um mutante?”, como se fosse possível ele ter escolha. A cena já foi usada diversas vezes por organizações que luta pelos direitos gay, for exemplo.
Mas qual a relevância disso tudo com a criação de um Centro de Excelência para os estudos do Autismo no Brasil? É o que veremos no texto da próxima semana. Até mais!

Reprogramação celular parecia ficção científica, mas virou realidade


ter, 09/10/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral
Transformar um tipo de célula em outro, como pele em neurônio, parecia coisa de ficção cientifica. Mais incrível ainda era a possibilidade de transformar uma célula já madura numa célula-tronco, ainda não especializada. Essa plasticidade, ou capacidade adaptativa, da célula esbarrava em um dos grandes dogmas da biologia: de que, durante o desenvolvimento, as células do embrião vão se especializando em outros tipos de forma irreversível, formando os tecidos do individuo adulto.
Pois é, esse dogma caiu e, este ano, o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina reconheceu dois pioneiros da plasticidade celular, John B. Gurdon e Shinya Yamanaka. Segue abaixo minha perspectiva dessa história que está apenas começando e promete ser a grande vedete da medicina no futuro.
(Na foto acima, Gurdon e sua cabeleira impecável. Trabalho com óvulos de sapos quebrou dogma da biologia)
O dogma da identidade irreversível das células começou a despencar com a pesquisa do inglês Gurdon, em 1962, que mostrou ser possível reprogramar células adultas para um estágio embrionário, pela transferência do núcleo em um ambiente propício. Gurdon, um típico Lord inglês, de fala suave e cabeleira farta, criou o ambiente utilizando óvulos de sapos, grandes, fáceis de manusear. A técnica levava o nome de clonagem celular. A observação abriu as portas da imaginação humana e o feito foi replicado em diversas espécies.
Veio então a ovelha Dolly, pelas mãos de Ian Wilmut, mostrando que a clonagem funcionava também em organismos mais complexos. Veio depois o veterinário sul-coreano Hwang Woo-suk, que disse ter feito o mesmo com células humanas. Era fraude. Os resultados “fabricados” foram publicados em 2005 na revista Science e depois retratados. Tornou-se dos maiores escândalos na área de células-tronco. Além disso, o episódio infame trouxe um alerta sobre a ética nesse campo de pesquisa, pois Hwang havia usado óvulos “doados” de estudantes em seu laboratório.
A dificuldade de conseguir óvulos humanos para pesquisa, somada à crescente atmosfera anticélulas-tronco embrionárias humanas promovida por setores mais conservadores da sociedade, emperrou o progresso da ciência nesse campo por alguns anos.
(Abaixo, trecho da revista “Época” de maio 2007, quando o foco da discussão no Brasil ainda eram as células-tronco embrionárias)
Em paralelo à carreira de Gurdon, o frustrado ortopedista japonês Shinya Yamanaka decidiu seguir a carreia acadêmica, abandonando a medicina. Sua frustração aumentou ainda mais com um período de pós-doutorado nos EUA que não lhe trouxe a satisfação desejada. Yamanaka voltou ao Japão e colaborou com um dos maiores centros de sequenciamento do mundo, o Riken.
Esse grupo estava interessado em estudar quais genes seriam diferentemente regulados em células-tronco embrionárias e em células de tecidos adultos. Ele teve acesso privilegiado à lista de genes que eram ativos unicamente em células-tronco embrionárias. Foi aí que teve a ideia de forçar a atividade desses genes em células somáticas da pele, por exemplo, buscando a reprogramação genética.
Foi literalmente um trabalho de japonês! Yamanaka e seu aluno, K. Takahashi, fizerem o experimento buscando sistematicamente a combinação de genes que levaria à reversão celular. Mais tarde, o próprio Yamanaka reconheceria que esse tipo de experimento jamais seria executado por um estudante não-asiático, em geral mais avessos a experimentos repetitivos e demorados – uma clara demonstração de como a cultura influencia no desenvolvimento da ciência. Apesar da descrença de feras da comunidade científica de que a estratégia funcionaria (por ser simples demais!), Yamanaka prosseguiu e publicou seus achados revolucionários em 2006, em um elegante trabalho na famosa revista “Cell”.
(Abaixo, o simpático Shinya: de ortopedista medíocre a prêmio Nobel em tempo recorde)
Os resultados não repercutiram de imediato. Como os experimentos foram feitos em camundongos, restava saber se o mesmo seria válido para humanos. O próprio Yamanaka desconfiava que talvez fosse preciso uma combinação de diferente de genes, específicos para a espécie humana. Além disso, as implicações da reprogramação não eram óbvias. Porém, estava claro para quem acompanhava a história toda que seria uma questão de tempo até descobrir a combinação exata em humanos. Em entrevista para a revista “Época” em maio de 2007 sobre revoluções na ciência, o pesquisador disse que a reprogramação celular iria dominar completamente a pesquisa em células-tronco. Opinião não compartilhada pelos colegas brasileiros naquele momento, que ainda focavam a discussão no uso de células-tronco embrionárias humanas versus células-tronco adultas.
Foi em dezembro de 2007 que Yamanaka e colegas publicaram um outro artigo na “Cell”, mostrando que a reprogramação funcionava em humanos, com os mesmos fatores que deram certo em camundongos. O impacto agora fora imediato, o fenômeno era altamente reprodutível e foi prontamente replicado por outros laboratórios. A facilidade da técnica foi democrática. Qualquer laboratório do mundo podia reprogramar células, gerando grande excitação na área. Agora seria possível cultivar células-tronco semelhantes às embrionárias, mas oriundas de um pedacinho da pele de um indivíduo adulto. Com elas, podia-se gerar um espectro enorme de células especializadas, contendo o mesmo genoma da pessoa ou do paciente. Essas células, em teoria, não seriam rejeitadas em um futuro transplante celular e poderiam substituir as células-tronco embrionárias derivadas de embriões humanos, pondo um fim na discussão ética.
Talvez a motivação de Yamanaka tenha sido inicialmente o transplante celular. Porém, a aplicação imediata da reprogramação celular aconteceu de forma diferente. Ao capturar o genoma de pacientes em um estágio embrionário, cientistas poderiam agora criar modelos de doenças humanas em laboratório. Acompanhar o desenvolvimento embrionário humano em condições controladas era praticamente impossível, e muito do que sabemos a respeito de doenças vinha de modelos animais (quando existiam).
Um exemplo disso foi descrito pelo meu grupo em 2010, quando mostramos que a técnica de reprogramação podia trazer insights para uma forma sindrômica do espectro autista. Revelamos defeitos em sinapses e mostramos a reversibilidade da condição em neurônios humanos, quebrando outro dogma, agora da neurociência. O trabalho foi publicado na revista “Cell” e contribuiu para coroar a tecnologia de Yamanaka, abrindo perspectivas de modelagem para diversas outras doenças humanas e acelerando a descoberta de novos medicamentos. A tecnologia ecoou também no Brasil. Já no começo de 2011, o trabalho pioneiro da dra. Patrícia Beltrão-Braga mostrou ser possível reprogramar células extraídas da polpa de dentes de leite. Os participantes desse trabalho foram provavelmente os primeiros brasileiros a terem células reprogramadas – ponto para a ciência brasileira.
Isso tudo mostra que a simplicidade do método de Yamanaka foi o fator responsável pela disseminação rápida dessa tecnologia, trazendo resultados imediatos para a pesquisa básica. Efeito semelhante aconteceu com o Nobel de Medicina dedicado ao processo de interferência do RNA, em 2006.
Muitos se questionaram se o prêmio de 2012 não deveria ser divido com Ian Wilmut, cuja equipe clonou a ovelha Dolly, ou James Thompson, o primeiro a cultivar células-tronco embrionárias humanas em laboratório – mas acredito que eles fizeram apenas contribuições incrementais. Outro que deve ter ficado com um gostinho amargo foi o pesquisador alemão radicado em Boston (EUA) Rudolf Jaenisch. Apesar da enorme contribuição de Jaenisch para as pesquisas com células-tronco e, mais recentement, para elucidar como a reprogramação funciona a nível molecular, sua participação não deixa de ser igualmente incremental. Ex-alunos de Jaenisch, em atividades patéticas, até tentaram ressaltar a importância desse grupo, talvez com o intuito de chamar a atenção do Comitê do Nobel. Além disso, acredito que a publicação de uma carta aberta ano passado, assinada por Yamanaka e outros pesquisadores, sobre uma possível dominância de pesquisadores de Boston em certas revistas cientificas, afetou a já remota chance de Jaenisch.
O impacto real da descoberta de reprogramação celular ainda está por vir. Pesquisadores já estão criando formas mais eficientes e seguras de reprogramar células adultas, e o sonho de regeneração usando transplante de células-tronco do próprio paciente fica a cada dia mais próximo. A técnica está sendo usada para modelagem de diversas doenças humanas e vai, com certeza, trazer novas oportunidades terapêuticas. Além disso, o uso menos convencional da reprogramação celular, como para a preservação de espécies em extinção ou estudos evolucionários, estão em andamento. E o emprego dessa técnica parece estar limitado apenas pela criatividade humana.

Um passo para curar lesões da medula


sáb, 06/10/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral
O rapaz da foto ao lado não é apenas mais um cadeirante. É o cientista Paul Lu, da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), que assina um recente trabalho cientifico, talvez o de maior impacto na área de regeneração de lesões da medula espinhal, publicado neste ano pela revista “Cell”.
Encontrei-me com Paul a primeira vez quando fazia uma entrevista para uma vaga na UCSD em 2001. Paul já trabalhava com o grupo de Mark Tuszynski, um dos mais feras na área de regeneração de lesões medular usando células-tronco. Paul entrara para o grupo de Mark após ter sido atropelado por um carro em uma visita a San Diego. A mudança de estilo de vida fez com que a motivação de Paul se direcionasse para a grande promessa da medicina regenerativa: o uso de células-tronco como fonte de reposição dos neurônios degenerados durante acidentes desse tipo.
O trauma da medula espinhal é basicamente uma lesão na medula espinhal, diretamente na medula ou indiretamente através de lesões em ossos, tecidos ou vasos sanguíneos adjacentes. Quanto mais perto do pescoço, maior o impacto da lesão, atingindo membros superiores e inferiores. Pelo que sabemos através de modelos animais, assim que a lesão atinge a medula espinhal, temos o rompimento dos nervos que atravessam a região, levando à desconexão dos membros com o cérebro, resultando em paralisia. Esse processo é rápido, acontece em dias. Além disso, o sangramento, o acúmulo de líquidos e o inchaço podem ocorrer dentro ou fora da medula espinhal – mas dentro do canal espinhal. O acúmulo de sangue ou líquidos pode comprimir a medula espinhal e lesioná-la, piorando ainda mais o quadro. Como se não bastasse, a morte dos neurônios estimula um processo inflamatório que impede o crescimento de novos neurônios na região. Esse ambiente hostil tem sido o grande impedimento do uso de células-tronco como alternativa terapêutica, pois as células transplantadas para a região da lesão não conseguem se especializar em neurônios funcionais.
Estudos anteriores haviam se utilizado de células-tronco neurais adultas, ou seja, isoladas diretamente do sistema nervoso, como fonte de células para transplante. Essas células podem ser encontradas em biópsia de tecidos olfativos ou de cérebro de fetos abortados e doados para pesquisa. A grande sacada de Paul foi utilizar células embrionárias, com um poder de diferenciação maior. Paul utilizou células extraídas do cérebro embrionário de animais e as transplantou em ratos que tiveram a medula espinhal totalmente lesada. Ele observou que, ao contrário das células-tronco adultas, as embrionárias conseguiam se diferenciar de forma muito eficiente, gerando neurônios que conseguiram atravessar a lesão e estender processos neuronais, conectando-se de forma funcional com o outro lado da lesão, recuperando a transmissão do impulso nervoso pela medula. Os animais transplantados recuperaram a sensibilidade e passaram a se movimentar depois de um tempo.
Para provar que o sistema funcionaria em humanos, Paul decidiu usar células-tronco embrionárias humanas. Os resultados foram ainda mais impressionantes. A plasticidade das células humanas não deixou a desejar e também fez os animais recuperarem a atividade motora. As imagens do trabalho mostram que o numero de neurônios formados após o transplante é muito superior ao que era conseguido com células-tronco adultas. Isso sugere que a capacidade de se especializar em neurônios, mesmo num ambiente não muito receptivo, é superior quando a célula-tronco é mais imatura. Provavelmente, essas células seriam as melhores para tratamento de lesões da medula em humanos. Obviamente, um cuidado a ser tomado é a ocorrência de teratomas, ou tumores de origem embrionária, que podem se originar a partir de células-tronco não especializadas que, por ventura, sobrevivam após o transplante. De qualquer forma, esse tipo de efeito colateral pode ser controlado com drogas que atingem apenas as células-tronco imaturas, em divisão.
O trabalho de Paul dá um passo importante para a medicina regenerativa. Identifica a melhor fonte de células-tronco e as condições ideais para esse tipo de transplante. Os ensaios clínicos em humanos deverão começar em breve. Vale a pena contrastar esse tipo de estratégia com a que foi proposta pela empresa californiana Geron um tempo atrás. A Geron apostava em transplante de células neurais precursoras capazes de produzir mielina – a barreira de gordura que protege os neurônios. O objetivo era o de evitar a degeneração dos neurônios sobreviventes, e não a regeneração da lesão. Com resultados pré-clínicos muito menos claros que os descritos por Paul, a Geron conseguiu a aprovação do FDA para testes em humanos, mas a empresa acabou falindo antes de concluir esses ensaios. Baseando-se nos dados do Paul, é possível prever que os transplantes da Geron em humanos não seriam bem sucedidos.
A primeira descrição de uma lesão medular da espinha e sua consequência para um ser humano está num papiro egípcio com mais de 3,5 mil anos de idade. O documento descreve claramente os sintomas clínicos e os efeitos traumáticos de uma tetraplegia. Também diz que esse tipo de lesão é incurável. É irônico imaginar que tanto tempo depois, um passo importante para o tratamento e eventual cura de lesões desse tipo venha justamente de um cadeirante.

‘Resetando’ o cérebro autista


ter, 25/09/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral
Indivíduos dentro do espectro autista têm dificuldade com a linguagem falada e a interação social, e apresentam movimentos repetitivos ou estereotipados – sintomas que aparecem cedo na infância. O autismo é considerado por muitos cientistas um defeito na comunicação entre as células nervosas – essa comunicação é conhecida como sinapse. Defeitos nas sinapses costumam levar a conexões nervosas erradas, contribuindo para o comportamento autista. A experiência sugere que indivíduos autistas devam entrar em terapias o quanto antes, durante a “janela crítica de formação” do cérebro, para que os circuitos nervosos tenham mais chances de se reestabelecerem de forma correta antes desse período acabar. Infelizmente, isso não é regra e, mesmo assim, alguns indivíduos não apresentam a trajetória clínica desejável.
Sinapses são estruturas altamente complexas, resultantes da interação de diversas proteínas e ácidos nucleicos, gerados a partir da atividade de algumas centenas de genes ativados nos neurônios. Infelizmente, o autismo clássico não parece ser resultado de um ou dois genes defectivos, o que favoreceria encontrar formas químicas de intervenção. Na verdade, estudos genéticos recentes têm confirmado que seriam algumas dezenas de genes – centenas, em alguns pacientes – que não estariam funcionando normalmente. Essa complexidade genética é um grande obstáculo na busca de tratamentos. E como se não bastasse, o autismo é comum em diversas outras síndromes genéticas, complicando ainda mais seu estudo. Por exemplo, 25% dos pacientes com a síndrome do X-frágil são autistas e quase 100% dos pacientes com a síndrome de Rett apresentam níveis variados de autismo.
A ideia de que as conexões nervosas estabelecidas depois da “janela de formação” do cérebro, período que reestrutura as sinapses durante o desenvolvimento do sistema nervoso, sejam permanentes é um dos dogmas mais antigos da neurociência. Muitos acreditam que esse tipo de formação cerebral seja permanente, imutável. No entanto, experimentos recentes têm desafiado esse conceito, mostrando que as sinapses e conexões nervosas são mais maleáveis do que se imaginava antes, podendo acomodar certa flexibilidade em circuitos importantes para o cérebro mesmo depois dessa janela. Pretendo aqui revisitar alguns desses dados, tanto em modelos animais quanto em humanos.
Talvez o primeiro indício de que circuitos defeituosos sejam reversíveis tenham vindo dos estudos em modelos animais para a síndrome de Rett. Essa forma sindrômica de autismo tem uma causa genética bem definida, mutações no gene chamado MeCP2. Esse gene tem a capacidade de se associar à fita de DNA e regular a atividade de outros genes. Não é por acaso que mutações no MeCP2 não se restringem à síndrome de Rett, mas foram encontradas em indivíduos com autismo clássico, esquizofrenia e outros tipos de doenças mentais. O gene é considerado por muitos cientistas a “pedra de Roseta” que permitiria a leitura do cérebro, pois funciona como um regulador de outros genes. Decifrar os mecanismos pelos quais o MeCP2 controla o desenvolvimento do cérebro é uma área extremamente dinâmica atualmente.
Em 2007, o grupo escocês do pesquisador Adrian Bird gerou um camundongo transgênico em que podia controlar a atividade do MeCP2 por meio de um interruptor ativado por uma dose transiente de hormônio. No nascimento, o grupo manteve o gene desligado e o animal adulto apresentava uma série de características comportamentais semelhantes aos pacientes com síndrome de Rett e autismo. Ativando o MePC2 antes do término da tal janela crítica de formação do cérebro, o animal conseguia se recuperar dos sintomas. A surpresa veio quando os pesquisadores decidiram ativar o MeCP2 em animais adultos. Esperava-se que os circuitos neuronais não pudessem ser refeitos, mas o resultado surpreendeu. Os animais eliminaram a maioria dos sintomas e se comportaram de forma semelhante a animais que nunca tiveram o gene desligado. A análise dos neurônios mostrou que eles recuperaram a capacidade funcional.
Outro gene, Nlgn3, comumente alterado em alguns indivíduos autistas, ativa uma das proteínas que participam da estrutura física da sinapse. Utilizando-se de um mecanismo semelhante ao do MeCP2, o grupo do cientista Stéphane Baudouin suíço criou um camundongo geneticamente alterado com um interruptor no gene Nlgn3. Ao desligar o interruptor, o Nlgn3 não funcionava corretamente, simulando o que acontece em alguns indivíduos autistas. Animais com o Nlgn3 desligado apresentam conexões nervosas alteradas e comportamentos alterados. Da mesma forma que aconteceu com o MeCP2, ao ativar o Nlgn3 em animais adultos, esses também foram capazes de se recuperar e comportar como animais normais.
Os experimentos em animais sugerem que existe flexibilidade para a reestruturação de circuitos altamente complexos no cérebro, mesmo após o período critico do desenvolvimento. Obviamente, os experimentos em animais não podem ser reproduzidos em humanos por uma questão ética. A duvida de que isso seria possível em humanos vinha do fato que nosso cérebro é muito mais complexo do que o de roedores. No entanto, hoje em dia já existem tecnologias que permitam a reprogramação de células somáticas de um humano adulto a um estágio de células-tronco embrionárias e, a partir daí, a conversão em neurônios funcionais. Apesar das limitações da técnica – os estudos são feitos em laboratórios, não no cérebro das pessoas –, nosso grupo da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos EUA, conseguiu corroborar os dados de camundongos, mostrando que neurônios humanos também são capazes de reestabelecer circuitos defectivos, uma vez formados. Melhor ainda, isso foi demonstrado de forma genética e com o uso de drogas experimentais. O trabalho foi validado de forma independente por diversos outros grupos mundo afora e abriu perspectivas para novos ensaios clínicos, atualmente em andamento.
Recentemente, o grupo liderado por Joe Gleeson, meu colega na Universidade da Califórnia, mapeou alterações genéticas relacionadas com uma forma de autismo familiar que segrega junto com retardo mental e epilepsia ocasionados por casamentos consanguíneos. As mutações afetam o gene BCKDK, responsável pelo metabolismo de certos aminoácidos, gerando deficiência desses nutrientes no cérebro. Camundongos gerados sem o gene BCKDK também apresentaram comportamentos alterados. Incrivelmente, a simples administração de dieta suplementar com aminoácidos foi capaz de reverter os sintomas nos animais, sugerindo que essa forma de autismo possa ser revertida facilmente. Os pacientes estão sendo atualmente submetidos a dietas enriquecidas para aminoácidos e os resultados deverão aparecer em breve.
Essas observações trazem esperanças não só para crianças, mas também indivíduos adultos com autismo e possivelmente outras doenças do desenvolvimento.

De olho no futuro


seg, 27/08/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral
Sempre fui fascinado por olhos, estruturas extremamente complexas que transmitem informações visuais do mundo exterior diretamente ao cérebro. A captura de cada momento da vida é única, individual. Mesmo olhos que não enxergam, choram e transmitem emoções. Para os românticos, olhos são as janelas da alma.
Lembro bem aquela famosa cena do clássico Blade Runner, de 1982, quando os replicantes em busca de respostas para longevidade se encontram com o cientista responsável pela fábrica de olhos. “Eu só faço olhos”, explica o velho oriental numa situação pouco confortável, completando que o processo requer boa dose de design genético.
De fato, os experimentos clássicos do neurocientista Nicholas Dale e da bióloga experimental Elizabeth Jones demonstraram claramente a contribuição genética durante o processo de desenvolvimento do olho em um modelo de estudo com sapos. Descobriram genes envolvidos na formação de olhos quando acionados nos estágios embrionários em células que normalmente levariam ao desenvolvimento da cabeça, criando olhos adicionais nos indivíduos testes.
Mas o processo da geração de olhos requer também pistas químicas, fatores ambientais que, junto com o código genético, auxiliam as células-tronco embrionárias a se especializarem em olhos durante o desenvolvimento. O mais fascinante disso tudo é estamos conseguindo aplicar o conhecimento gerado em modelos experimentais mais simples, como sapos, peixes e moscas-da-fruta, em organismos complexos como mamíferos. Nessa área, destaco o trabalho do japonês Yoshiki Sasai.
Sasai surpreendeu o mundo ao publicar ano passado na famosa revista cientifica “Nature” uma receita para fazer olhos em cultura, em laboratório, usando células-tronco embrionárias. O trabalho é mais do que um exemplo de engenharia de tecidos, ataca uma das questões mais fundamentais da biologia: como algumas células-tronco do embrião se organizam para formar estruturas complexas? O time de Sasai se aproveita de dados gerados de outros organismos para testá-los em células-tronco embrionárias de camundongos ou humanas. É pura tentativa e erro.
Para chegar nesse modelo, Sasai teve que ter um pouco de sensibilidade e perspicácia. Imaginou que o olho não se desenvolve normalmente em cima de uma placa de plástico, como os modelos atuais de laboratório. Por isso, decidiu deixar as células-tronco flutuando em contato com um coquetel de agentes químicos para que elas formassem “corpos embrionários”, o que favorece o aparecimento de estruturas à retina. Essa simples etapa do processo levou cinco anos para ser otimizada. Após algumas semanas em suspensão, as estruturas ficavam aparentes e precisavam ser retiradas do restante de outras células não diferenciadas. Sasai faz isso através de uma microcirurgia embaixo de um microscópio. As estruturas então estão isoladas e prontas para amadurecerem em estufas que simulam as condições ideais do organismo vivo. O passo final foi induzir a retina a autoinvaginar – se dobrar – para dar origem ao copo ocular. A forma que o grupo encontrou de estimular essa invaginação foi através de uma pequena lesão com um pulso de laser. Resta saber se essas estruturas conseguem persistir vivas em cultura tempo suficiente para completar a formação responder à luz. O processo todo foi filmado e modelado por computador. Partes do protocolo podem ser visualizadas aqui.
A aplicação medicina é óbvia. As células que recebem a luz podem ser reconstruídas em laboratório para transplantes, o que pode curar diversos tipos de cegueira. Hoje, as estruturas oculares geradas em laboratório ainda não estão prontas para serem transplantadas. Sabe-se muito pouco sobre como fazer a conexão nervosa entre retina e cérebro. Acredito que a técnica seja muito mais promissora como fonte de tecido para restauração de retinas danificadas em condições como degeneração macular ou retinite pigmentosa. Vale notar que isso já foi conseguido com sucesso em modelos roedores experimentais. Já as doenças que afetam as vias neurais na retina, como o glaucoma, podem ser mais difíceis de curar.
Acredito que as implicações desse tipo de trabalho sejam mais abrangentes do que o uso clinico. Os resultados sugerem que as células-tronco embrionárias possuam a informação necessária para formar tecidos complexos espontaneamente, basta saber como induzi-las. É o começo de uma era importante para a pesquisa com células-tronco.

O dom da dedicação


qua, 15/08/12
por Alysson Muotri |
categoria Espiral
 
A única coisa que separa um amador de um expert é a dedicação. Qualquer um pode ser um gênio se dedicar o tempo apropriado e manter o foco em se aprimorar. O melhor de tudo é saber que nunca é tarde.
Sempre ouço pessoas dizendo que não começam a aprender uma nova língua ou um instrumento musical porque deveriam ter iniciado mais cedo, quando crianças. Pior, escuto pessoas extremamente capazes dizendo que não têm talento natural para uma determinada atividade. Muito provavelmente essas pessoas estão enganadas e subestimam a própria capacidade. Se você tiver 30 anos e começar a aprender piano seriamente amanhã, chegará aos 50 anos de idade com 20 anos de prática e poderá ser um prodígio. Se começar com 50, aos 70, será um dos melhores pianistas da terceira idade. A idéia de que qualquer pessoa tem o potencial para se tornar um expert ou adquirir uma habilidade tem recebido cada vez mais fundamentos científicos.
Com exceção das limitações físicas de cada indivíduo, acredita-se que os ditos “dons naturais” sejam mera consequência da capacidade de concentração em uma determinada atividade. O talento parece ser resultado direto da dedicação, ou do desejo de fazer melhor. Em teoria, qualquer pessoa com dedicação suficiente para melhorar em uma atividade ficará melhor nela com o tempo. Essa conclusão vem do trabalho do neurocientista K. Anders Ericsson, da Universidade Estadual da Flórida, nos EUA.
Anders estuda gênios, prodígios e experts por mais de 20 anos. Observando o processo de aprendizagem desses “talentos”, concluiu que não basta apenas a repetição incansável, mas procurar por um nível de controle em cada aspecto da atividade escolhida. Ou seja, cada sessão é uma tentativa de fazer melhor que a anterior. A maioria dos amadores chega somente até um estágio de conforto e não dedica tempo suficiente para melhorar. A falta de ambição nos torna medíocres.

A implicação dessa observação é simples. Qualquer um determinado a gastar mais tempo em uma atividade, procurando melhorar a cada repetição, pode se tornar um expert – brilhante até. Portanto, a parte genética ou o ambiente do indivíduo não contribui mais do que para 1% do sucesso. É possível que esse 1% seja o diferencial para ser o melhor do mundo, mas não contribui para você se tornar brilhante em alguma atividade. Veja no gráfico acima que a maioria das pessoas acaba em três categorias ao começar uma atividade nova: expert, amador ou desistente. Os desistentes são aqueles que decidem que não vale a pena continuar. A classe dos amadores é intrigante, pois são os que ficam satisfeitos com o nível em que estão. Reconhecemos esse padrão quando falam “Sei que poderia fazer isso de outra forma, mas está funcionando assim então não vou mudar”. Em outras palavras, eles passaram a desgastante fase inicial e não querem entrar numa outra fase de estresse.
Ao meu ver, esse é o grande diferencial dos experts. O salto para longe do amadorismo e zona de mediocridade consiste em quebrar a barreira da paixão. A atividade fica tão prazerosa que nos apaixonamos por ela. E é esse sentimento, essa sensação que nos motiva a seguir melhorando.

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