terça-feira, 11 de novembro de 2014

Pai leva balanço portátil a diversas paisagens para fotografar filho autista e romper preconceitos

Pai leva balanço portátil a diversas paisagens para fotografar filho autista e romper preconceitos Pablo Menezes de Souza/Divulgação

"Tom tem o olhar parado no tempo. Vive no silêncio a escutar os pássaros que voam para longe, muito longe. Onde só o sonho alcança". É assim que o narrador do livro Tom, de André Neves, se refere ao irmão autista, personagem título da obra.
No livro, a criança que conta a história questiona por que não diz o que sente. Questão respondida em seguida: Tom faz “esforço para articular as palavras”, uma das características do autismo. Na obra literária, o narrador só passa a compreender o irmão no momento em que ingressa no mundo lúdico do menino. Em seu universo, Tom alçava voo à liberdade nas asas dos pássaros, animais que o fascinavam.
Assim como o irmão de Tom na literatura, o empresário Pablo Menezes de Souza, 33 anos, só conseguiu entender o filho autista quando bateu à porta do seu mundo de sonhos. Só que para Bruno, quatro anos, não são os pássaros que causam encantamento, mas os balanços. É de carona nos brinquedos que o pequeno visita a liberdade.
Diagnosticado com autismo com um ano e oito meses, Bruninho, como é chamado, tem paixão por balanços. Um dos que mais gosta fica na pracinha do condomínio onde reside com os pais e os dois irmãos — de 10 e um ano — em Canoas, na Região Metropolitana. O pequeno gosta de brincar no balanço que fica à direita e sempre quer sentar de frente para a entrada da pracinha. Essa é a forma que Bruninho encontra para manter uma rotina, característica dos autistas.

Para que o menino experimente novos ambientes, mas mantenha a segurança que o balanço lhe dá, o pai teve uma ideia que já rendeu muitas alegrias. Proprietário de uma empresa de telecomunicação móvel com sede em Guaíba, Pablo mandou fabricar um brinquedo portátil. Feito de ferro, o balanço possui 2,8 metros de comprimento e 2,2 metros de altura. Pode ser desmontado em cinco partes e, por isso, é transportado na caminhonete da família.

Na hora de colorir o brinquedo, o pai decidiu pelo azul, cor que simboliza o autismo. A estrutura do balanço foi pintada com o tom do céu, enquanto a corrente e o assento ganharam a cor vermelha.
— Penso em pintar constantemente o balanço, para que o Bruninho possa ter contato com outras cores — explica o pai, em uma nova intenção de “quebrar” de maneira amena a rotina do filho.
Bruninho deixou o balanço para jogar pedras no rio
A primeira viagem de Bruninho com o balanço no carro foi há três semanas, para Camaquã, no Sul. O resultado da experiência foi uma foto em preto e branco, em que o pequeno se diverte no brinquedo em uma estrada do interior, em uma paisagem rural. Postada no Instagram de Pablo com informações sobre autismo, a imagem foi o início de um projeto pessoal do empresário: usar a rede social para romper preconceitos.



Uma semana depois, foi a vez de Bruninho experimentar uma paisagem mais radical. Foi levado, junto com o balanço, a uma cachoeira de Agudo, na Região Central. Mesmo tendo de descer (e subir) oito vezes a escadaria que leva aos pés da queda d’água com as partes do balanço, que por serem de ferro são muito pesadas, Pablo comemorou a reação do filho ao novo ambiente.
— Quando montamos o balanço na cachoeira, um lugar desconhecido, Bruninho teve de escolher o lado que sentava no brinquedo fora da rotina a que está habituado, o que é um desafio para ele — relata Pablo.



Outra cena que emocionou o pai foi ver o menino trocar os sorrisos que entrega ao balanço para uma nova brincadeira: atirar pedras no rio.
— É difícil tirá-lo do balanço. Se dependesse dele, passaria o dia no brinquedo. Então, sempre montamos um pouco, para que ele se habitue ao ambiente, e depois desmontamos, para que ele curta a paisagem — conta o pai.
Foi assim em Agudo. Apesar das expressões de desgosto ao ver o brinquedo desativado pelos pais, o pequeno conseguiu se divertir enquanto explorava o lugar. As imagens do dia de brincadeiras também foram parar no Instagram.



— Eu acho que o preconceito existe porque não há informação. Por isso, tive a ideia de postar as fotos do Bruninho e usar as legendas das imagens para explicar um pouco sobre o autismo — explica Pablo.
Segundo ele, os perfis na rede social que atualmente falam sobre o autismo postam na maioria das vezes mensagens, e não fotos, e por isso são seguidos apenas por pais e profissionais que atendem autistas. Com as fotos produzidas do Bruninho, Pablo almeja conquistar um público que não tem contato com o transtorno. Com 2,6 mil seguidores atualmente, já pode considerar seu objetivo alcançado.
Preconceito na fila do supermercado é inspiração para próxima foto
Bruninho ainda não fala e, por isso, expressa-se por gestos e gritos, o que muitas vezes é pouco compreendido em locais públicos. Quando vai ao supermercado com os pais, o pequeno muitas vezes é visto como uma criança “birrenta” por outros clientes e chega a enfrentar preconceito.
Um exemplo foi quando os pais decidiram levar o menino à fila preferencial de um estabelecimento e foram recebidos com xingamentos por um dos clientes. Pablo teve de chamar o gerente para explicar a situação constrangedora e, hoje, prefere levar o filho à fila normal.
A situação, comum a pais de autistas, é a inspiração para a próxima foto que Pablo pensa em produzir.

— Já comecei as tratativas com o supermercado que frequentamos para montar o balanço lá e tirar uma foto. Com a imagem, quero motivar a compreensão das pessoas com os autistas nesses espaços públicos, além de proporcionar um novo desafio ao Bruninho — conta Pablo, que pede auxílio aos profissionais que tratam o filho para formular as legendas das fotografias.

Apenas uma vez ele foi criticado por expor o autismo do filho, mas não desanimou:
— Alguns pais não gostam de dizer que os filhos têm autismo. Mas eu digo: 
“meu filho é autista e me orgulho disso”.


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