terça-feira, 21 de abril de 2015

Tratamento precoce e participação dos pais reduzem sintomas de autismo

Evolução. Eduardo com a tia: hoje ele fala, brinca e sorri para a câmera Foto: Agência O Globo

Pouco mais de oito meses atrás, Eduardo, de 5 anos, não falava. Ele também apanhava na escola e, colocado dentro de um pula-pula, em vez de brincar, ficava inerte. Desde que nasceu, sua tia, a corretora Guaraciana de Amorim Moraes, que tem mais dez sobrinhos, sabia que o menino era diferente e desenvolveu uma forma de se comunicar com ele para não isolá-lo ainda mais. Uma noite, assistindo ao médico Drauzio Varella na TV, ela descobriu o que os pediatras consultados até então não conseguiram diagnosticar: seu sobrinho era autista. Hoje, depois de 12 sessões no serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Santa Casa de Misericórdia do Rio, Eduardo não só fala (à beça), como brinca, abraça apertado e até sorri para a câmera.

As crianças que passam por esse ambulatório fazem parte de uma pesquisa sobre diagnóstico precoce feita pela equipe do psiquiatra Fábio Barbirato que será apresentada no Congresso Brasileiro de Psiquiatria, no fim do ano — e depois, daqui a cinco anos, mostrará a evolução do quadro.

Citando estudos internacionais, o especialista aproveita o Dia Mundial da Conscientização pelo Autismo, celebrado nesta quinta-feira, para frisar a importância de determinar o distúrbio logo no início da infância. No ano passado, uma parceria entre as sociedades brasileiras de pediatria e psiquiatria foi firmada com o intuito de aumentar em 40% o diagnóstico precoce do autismo. No Congresso Brasileiro de Psiquiatria deste ano, haverá uma mesa com pediatras. No ano passado, cinco mil pediatras compareceram a um evento da Sociedade Brasileira de Psiquiatria sobre reconhecimento precoce de autismo e ganharam um questionário para servir de ferramenta nas consultas pediátricas. E ainda este mês, o serviço da Santa Casa, que atende pacientes de 3 a 12 anos, será ampliado para crianças a partir de 2 anos.

— Isso significa diagnosticar um ano mais cedo, dando melhor chance de desenvolvimento. Estudo recente diz que, quando se trabalha com crianças de 3 anos, a melhora chega a 80%, mas quando tratamos de pacientes com menos de 3 anos, pode alcançar 90% — diz Barbirato, que é chefe do serviço na Santa Casa, onde sete mil crianças foram atendidas em 16 anos. — Se se conseguir fazer o diagnóstico com 1 ano e 6 meses e intervir em linguagem e comportamento com pais participativos, a probabilidade é de que a criança saia de um grupo severo para um médio, e do médio para o leve.

TREINAMENTO É REPLICADO EM CASA

Um estudo recente da Universidade da Califórnia, em Davis, mostrou que bebês a partir de 6 meses já podem demonstrar sinais de autismo e que um tratamento adequado pode reduzir drasticamente os sintomas até os 4 anos. Os responsáveis pela pesquisa disseram que a participação dos pais das crianças envolvidas no processo foi crucial para essa evolução. Este parece ser, aliás, um dos trunfos do tratamento na Santa Casa. Os pais são orientados pelos profissionais nas consultas quinzenais não só sobre o que devem fazer (como forçar a criança a pedir, em vez de atendê-la prontamente), mas sobre o que não devem fazer (não deixar a criança assistir a um mesmo filme várias vezes ou usar um comportamento que não é funcional, como enfileirar sapatos e bonecas). Esse treinamento faz com que os pais repliquem em casa o que é aprendido no ambulatório, exercitando as habilidades cognitivas dos filhos todos os dias.

— Há ainda uma visão muito retrógrada em que o pai entrega o filho para o terapeuta e fica na sala de espera. Só que, para ter um aprendizado, é preciso um número de repetições relevante, só assim se muda o comportamento. Aprendendo o que é correto, os pais usam isso no dia a dia, e a chance de a criança se apropriar desse conhecimento é infinitamente maior — explica a fonoaudióloga Kátia Badin.

O diagnóstico precoce, segundo a fonoaudióloga Aline Kabarit, diretora do Instituto Priorit, que atende crianças de zero a 16 anos com terapias tradicionais e atividades complementares, possibilita que se estimule os jovens desde cedo, fazendo com que as outras aquisições aconteçam com o próprio desenvolvimento da linguagem e da interação social.

— Em cada idade, a criança adquire uma habilidade específica, que ajuda a amadurecer o sistema nervoso, proporcionando a aquisição de outras habilidades. É impressionante a evolução das crianças diagnosticadas com autismo cedo — compara.

LINGUAGEM TRABALHADA DESDE CEDO

Mãe de Natan, de 5 anos, a funcionária pública Alessandra Saint’Ane acha que o filho poderia ter sido diagnosticado com 1 ano e meio. O menino foi para a creche cedo, a psicóloga percebeu e acionou a mãe, que suspeitou de autismo logo de cara, mas parou numa pediatra que não soube diagnosticar.

— Ele não falava em primeira pessoa, brincava com as rodas do carrinho e era um pouco agressivo. Hoje, o vocabulário dele aumentou e eu aprendi que, em vez de pegar o suco quando ele apontava, tinha que forçá-lo a falar — conta Alessandra, que destaca um momento emocionante do tratamento. — Ele antes não tinha a percepção do faz de conta, mas, depois que desenvolveu a fala, passou a brincar com histórias, me chama de princesa, enquanto ele é o príncipe e o pai, o cavaleiro.

Para Barbirato, é importante a linguagem ser trabalhada desde cedo para a criança se desenvolver, ter uma comunicação social adequada e, quando chegar na pré-adolescência, não ter a dificuldade de se expressar, não deixando que zombem dela.

A fonoaudióloga Kátia Badin enumera alguns sinais para que os pais fiquem atentos:

— Uma criança de 5 meses já direciona o olhar quando é chamada pelo nome. Quando a gente vê uma criança de 1 ano e 4 meses que não olha quando a gente chama, ou de 1 ano que não aponta, é bastante gritante.

O pesquisador brasileiro Alysson Muotri, professor associado do Departamento de Pediatria e Medicina Molecular da Universidade da Califórnia, em San Diego, acredita que o atendimento personalizado seja hoje a principal ferramenta para lidar com o autismo. Segundo ele, levando-se em conta as alterações genéticas de cada indivíduo, é possível estratificar o tipo de autismo e buscar tratamentos mais específicos.

— Até hoje os medicamentos usados em autistas não são específicos, foram desenvolvidos para outras doenças e adaptados para o autismo. A consequência são efeitos colaterais muitos graves e a longo prazo — observa.

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